Uma casa pequenina.



Era uma casa pequenina, daquelas que se desenha em criança.
Uma porta, duas janelas, uma chaminé de onde está sempre a sair fumo, quando nem lareira tem.

Uma casa com quarto paredes, em que ela sempre que chegava  dava um grande suspiro, como se o fardo que carregasse tivesse o peso de outros tantos. “Sabes” , dizia ela, “estas paredes são como quatro soldados, guardam-nos a nós e os nossos pensamentos.” E ele ria-se, abanava a cabeça e dizia-lhe que ela sonhava muito.


Era uma casa pequenina, com muitas fotos espalhadas, de pessoas, oceanos e edifícios aqui e ali.
Ela com tão boa memória, colocava cada vez mais fotos e ele colocava sempre música como barulho de fundo. E ela dizia “a minha memória um dia poderá piorar e eu não quero esquecer”, com uma urgência na voz como se esse acto já viesse atrasado.  Ele abanava outra vez a cabeça e respondia “não estou a ver isso a acontecer", com um sorriso cúmplice na cara .


Estava sempre quentinho, recomfortante lá dentro. Tanto que ela tinha medo de sair. E ele, quase a empurra-la porta fora, dizia que o mundo lá fora também tem calor suficiente para lhes dar.


Uma casa pequenina, em que outras vozes tentavam lá chegar e não conseguiam. Talvez por só ter quatro paredes, talvez porque queriam ter esse cantinho em segredo.


Cada um de nós tem essa casa pequenina, dos desenhos de primária. Algumas tem nuvens a volta, ou dois pássaros pretos retratados quando achávamos que era essa a cor das gaivotas.
Algumas têm um jardim com flores de cores que inventamos à frente da professora . 

O meu desejo era que mantivessemos essa casa. Tão pura como nesses dias, mas que as paredes fossem elásticas e deixássemos mais vozes chegarem.
Que o quentinho se mantivesse sempre, sem lareira e mesmo com nuvens lá fora. Que a música dessa casa fosse sempre aquela que nos deixa um sorriso na cara.

Às vezes não é fácil. Às vezes, as paredes da nossa casa precisam de uma pintura nova. Mas a estrutura, essa está presente.
A minha mãe perguntou-me um dia onde era casa para mim.
Casa não é um sítio , de pedra e cal. É um sentimento e esses podem ter menos ou mais pessoas, menos ou mais experiências, boas ou más. 

Na minha casa já entrou de tudo. A minha casa já mudou muito a decoração.

Mas uma coisa é certa: casa tem sempre de ir connosco e tem de nos deixar abrir portas ao mundo.
Desde que o quentinho permaneça, sempre. E no meu caso, com fotografias espalhadas nessas paredes,  de todos e de tudo que é casa para mim.

Comentários

  1. Ter sempre presente as nossas raízes, manter a nossa identidade, evidenciar princípios e valores que nos foram transmitidos, nas tais 4 paredes da nossa humilde, mas quente, casinha, por muitas voltas que a vida te possa reservar, lembra-te sempre que a porta do teu, nosso refúgio, é única.

    ResponderEliminar
  2. Tu és uma das peças decorativas mais bonitas e importantes que a minha casa tem. <3 miss you so. *

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. agora estou eu a dizer-te isso. o abracinho está próximo. <3
      (tu és parte da minha casa também. mas isso já sabes.*)

      Eliminar

Enviar um comentário

“Words are, of course, the most powerful drug used by mankind.”
Rudyard Kipling

Mensagens populares